Dona Maria, ao mesmo tempo que limpava a geladeira, elogiava o aparelho como se fosse um membro da família.
- Compramos esta Consul em 48 prestações. Era o ano de 1984. Eu e meu velho estávamos na maior dureza. Não me desfaço desta geladeira por nada neste mundo. Vejo na TV uns modelos novos que saíram, mas não me enchem os olhos. Prefiro a minha Cônsul, ela é como se fosse da família.
Dona Maria tinha razão. O objeto era antigo, mas funcionava direitinho. Conservava bem as sobras do almoço que viravam jantar. Gelava rapidinho os picolés de cajá que fazia para os netos Lucas e Marília. E seu maior gosto era tirar a água fria da Velha geladeira e servir para o esposo, Seu Oscar.
Um sábado à noite, convenceram dona Maria a ir visitar o Shopping recém inaugurado perto da sua casa. Foi uma vez em um Shopping que ficava muito distante e decidiu que não voltaria nunca mais naquele lugar. Dava vertigem andar em um piso tão escorregadio. Mas os netos insistiram e ela cedeu.
Viu livrarias, quiosques espalhados pelos corredores, tudo era realmente bonito. Lucas, o neto de seis anos, parou então diante de uma loja de eletrodomésticos, viu um desenho animado na TV em exposição, e ficou ali assistindo.
- Vamos Lucas! Temos que lanchar agora. Falou a mãe do garoto.
- Deixa ele aqui um pouco, eu cuido do bichinho. Dona Maria defendeu o menino.
Foi quando ela viu o monumento branco perto dos fogões. Dona Maria foi levada involuntariamente para perto do daquele escândalo. O vendedor se aproximou e notando o interesse da mulher apresentou o aparelho à senhora hipnotizada:
- Este é um refrigerador frost Free, com 100 litros de capacidade. Não precisa descongelar e tem um compartimento exclusivo para verduras e frutas. E ainda tem garantia de dois anos. É o último lançamento da White Westing House.
Aquele nome difícil encantou ainda mais Dona Maria que pediu licença para abrir as portas do refrigerador mágico. Ela disse ao vendedor que tinha uma Cônsul, comprada em 84 em 48 prestações, mas sentiu que deveria não dar mais detalhes da velha geladeira, para não humilhá-la diante daquele escândalo de refrigerador.
Dona Maria nunca imaginou que seus pensamentos seriam invadidos pela imagem de um lançamento da White Westing House. Mas ela simplesmente não conseguia parar de pensar no refrigerador que trazia fantasias geladas à sua mente. Picolés ficariam mais gostosos, água mais fria e refrescante e o jantar ficaria mais saboroso com as sobras do almoço. Na saída do Shopping, Ela ainda pediu para passar em frente a loja. Deu uma olhada disfarçada para a seção de refrigeradores e sorriu discretamente. A imponência do refrigerador de nome difícil, mexeu com Dona Maria. Mas ela não poderia expressar sua empolgação como refrigerador. Afinal, tantas vezes suas filhas tentaram convencê-la a trocar a velha geladeira por um aparelho mais novo e ela insistiu que não faria isto jamais.
Ao chegar em casa, um ruído lhe chamou a atenção, vinha da cozinha. Seu Oscar disse que não ouviu nada. Mas Dona Maria disse que havia algo errado. Ela se abaixou e descobriu que o motor da cônsul 84 estava com um barulho estranho.
- Há anos que ouço este barulho Maria! Já te falei, esta geringonça precisa de revisão. Disse Seu Oscar deixando a cozinha.
Foi quando a dona de casa, expressou pela primeira vez um comentário herético sobre a velha geladeira comprada em 48 prestações, quase um membro da família:
Esta velha ronca e eu nem me dei conta!
Mas eu não troco a minha Cônsul por nada neste mundo!
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